sexta-feira, 1 de abril de 2011

Impressões


Acompanhamento pedagógico Projeto Autonomia 
Estado do Rio de Janeiro
21 a 26/03/2011
Formadores Lucas Freire e Christianne Rothier


Meia noite e quarenta e cinco, 30 de março de 2011. Quarta feira.
Chegamos do acompanhamento no sábado, perdi a prova e as urgências do cotidiano despencaram em cima de mim, sem dar tempo pra muitas reflexões. Empolgada com as fotos, querendo compartilhar, no fundo sem conseguir nem querer me soltar daquelas imagens, daquelas sensações impregnadas como o barro que teima em ficar no tênis, nas meias, na barra da calça. Imagens vivas, iluminadas, que tiram minha concentração do momento presente. Fui deitar mas o sono não veio e aos poucos fui me distanciando e conseguindo pensar no que aconteceu, o que vimos, vivemos, ouvimos, ao longo daquela semana que parece ter tido muito mais que 6 dias corridos.

Percorremos mais de 1.000 quilômetros, viajando na esquina do Estado, divisa com Minas e Espírito Santo. Longe. Fomos longe pra visitar apenas 8 salas, de 3 diferentes coordenadorias.
Fiquei com a impressão de que as dificuldades são muitas. A maioria das turmas está atrasada em relação ao cronograma. Também ouvimos dos professores – empenhados e comprometidos – relatos de desânimo, de cansaço, muito esforço, horas longe de casa, excesso de trabalho, compromisso, e falta do pagamento deste ano.
Mas eles estão nas salas, em sua maioria com número reduzido de alunos. E eles estão indo buscar os alunos, estão fazendo por onde levar a cabo a tarefa de socializar, elevar a auto-estima, criar as condições para que floresça um sentimento de cidadania entre aqueles jovens e adultos de cidadezinhas quase perdidas no mapa, que transitam em estradas esburacadas e mal sinalizadas, que moram na periferia da periferia, que caminham horas na escuridão, que dependem do transporte municipal que consiga vencer os atoleiros na época das chuvas. E ele nem sempre vem.

São cidades com usinas abandonadas, indústrias falidas, que viveram um apogeu de riqueza e ostentação no século passado, que deixaram como herança a paisagem transformada de suas montanhas e vales desprovidas de sua cobertura vegetal original, devastada com a extração de madeira, o cultivo de café, algodão, cana de açúcar e a criação de gado.

Há pouco trabalho na região. O sonho que passa a ser perseguido é o do êxodo. Partir para uma nova terra prometida. A devastar novas fronteiras, dessa vez submersas nas águas além. A Petrobras tornando-se a Meca, a meta a ser alcançada. Petróleo e Gás – esse é o futuro.
Outros, os olhos brilhando, o encantamento de querer ser como ela, a mestra, esses querem ficar e ajudar outros a melhorar a vida de seus pares. Muitos na lida da roça, nas plantações de pepino, tomate.

Sentimos na pele, uma noite atolados no lamaçal da estrada precária, o que é ser professor e estudante no Brasil.


Chegamos na semana em que estavam sendo divulgados os resultados do Saerj: faixas e cartazes com a alegria de estampar o nome dos alunos premiados – muitos do projeto. Salas com 3, 4 alunos que irão receber um notebook. Uma diretora nos disse que essa vitória servirá para mostrar aos detratores do projeto “que a metodologia funciona, que acelera com qualidade, que os alunos aprendem.” A maioria relatou que há listas de espera. Dezenas de pessoas afastadas da escola há décadas sonhando em voltar. Estudantes em distorção sonhando com a possibilidade de ganhar um laptop.

A metodologia está sendo vivenciada em sua plenitude, em toda a sua riqueza (como diz o Lucas)? Não. Em algumas salas pouco se faz de tudo o que é proposto. Mas mesmo assim, ainda assim, aqueles estudantes estão desenvolvendo uma nova perspectiva.

Com pesar, ouvi profissionais dizerem que vão deixar o projeto. Que não querem continuar. Tudo é maravilhoso e vislumbraram um modo de educar transformador, diferenciado. Mas o salário é pouco, o trabalho é muito. O compromisso é imenso. Não sabem o que esperar do novo governo e das novas diretrizes. Gestores indicados continuam criando problemas e dificuldades. A verba ainda não chegou para alguns. DVDs que se perderam – os de uma professora ficaram na estrada, esmagados pelas rodas de um caminhão. Os entraves burocráticos e administrativos parecem não ter fim. A politicagem, a fofoca, o disse-me-disse estão presentes. Mas o brilho no olho, a vontade de superar obstáculos, o esforço pessoal, a doação, o engajamento também lá estão.

E nós pudemos testemunhar isso tudo.

Fico pensando que é praticamente impossível existir um modelo, uma metodologia, por melhor e mais incrível que seja que se adapte em todas as realidades. Em umas regiões a dificuldade maior é a falta dos alunos na temporada turística. Em outras a dificuldade vem com as chuvas, com os períodos de plantio e colheita. Se cada local pudesse ter seu próprio cronograma, talvez a evasão fosse menor e os resultados ainda melhores, mesmo sabendo das dificuldades que isso pode trazer dentro de um modelo centralizador, onde a capital dita as regras.

O que não tem preço é ouvir uma estudante de 61 anos reivindicar o direito de ter seu desenho num cartaz pendurado na parede da sala, num momento de desabafo diante de nós. Uma aluna de quarenta e poucos anos dizer que abandonou a escola aos 13, derrotada pela matemática, feliz da vida pois foi aprovada na disciplina e ainda por cima recebeu um computador pelo resultado da prova do SAERJ. Sonha em fazer faculdade de Artes e disse “amar” sua professora. Surpreendente foi encontrar um ex integrante de um irreverentes grupo musical dos anos 70 numa turma do Médio, desafiando os preconceitos da cidadezinha, sonhando em estudar filosofia e voltar a dançar na TV. Não tem sido fácil, mas a turma aprendeu a conviver e a respeitar diferenças e escolhas alheias.

Foi uma semana onde nos expusemos. Mostramos quem somos. A fé do Sr. Jorge, (nosso motorista) em Santa Rita, segundo ele, nos livrou do atoleiro ao amanhecer.

Tivemos que exercitar a paciência, a aceitação da imobilidade no meio da estrada, ilhados, incomunicáveis. Venceu a parceria, a cumplicidade, o cuidado de cada um com os outros. Co-pilotos atentos, alertas e vigilantes. Trilha sonora de primeira. E a natureza nos brindou com seus requintes: o pálido luar atenuou a escuridão na estrada, bandos de garças trouxeram o dia, aranha desfiando sua beleza,


cobra deslizando no barranco - “só para os loucos, só para os raros”.



Carcarás, pássaros na faina do desafio à gravidade na construção de seus ninhos.




E a chuva, e os rios.


O gigante Paraíba do Sul, o Pomba e outros tantos; velhas estações de trem, fazendas, gado, lindos cavalos.

Montanhas imponentes.

Um pouco de tudo.

E goiabas maduras colhidas no pé, alimentando o corpo quando a alma já estava saciada. A celebração do encontro. Da alegria, o prazer de estar junto, sintonia fina no bate bola da conversa com os professores. Uma aventura. Uma inesquecível aventura.

Rio de Janeiro , 23/3/2011

Em algum lugar entre Pureza e Cardoso Moreira .


Era uma quarta feira a noite, voltavamos da visita a uma sala de aula em Cardoso Moreira, havia chovido poucas horas atrás. A estrada está passando por processo de pavimentação o que deixa o barro mais solto com locais de acúmulo de muito material, amolecido pelas chuvas, que nesta época são constantes.

Já no início do trajeto, Jorge demonstrava certo nervosismo, uma apreensão que era dividida comigo e Chris, na estrada escura, nem uma luzinha e barro pra todo lado. O carro patinava ao sabor da lama, deslizando pra lá e pra cá. Até que foi levado à uma parte mais macia onde ficou agarrado, eram 23 h a lua pálida alumiava coberta pelas nuvens. Saímos do carro, os pés chafurdaram na lama, estava difícil de acreditar que seria isso mesmo, ficar agarrado no meio da estrada entre lugar nenhum e sei lá aonde. Ainda tentamos desatolar o veículo, eu e Chris empurrando e Jorge manejando, as rodas patinavam muito no lamaceiro molhado e fofo. Serviu só pra gente se cagar todo e depois dar umas risadas ( já valeu então). Desistimos e começamos a exercitar a paciência.

A parte legal foi conhecer um pouco da versão cantora " Patativa" de Chris, interpretando músicas desconhecidas, para mim, mas bem bonitas e que nos ajudaram a passar um tempo de modo mais leve.
A minha vontade era de sair andando pela estarada, não ficar parado, mas fui demovido da idéia, já era tarde, nem sinal de civilização, o jeito seria tentar dormir no carro, tentar pelo menos. Inclinei o banco e fechei os olhos, o zumbindo dos mosquitos e o abre e fecha das portas do Jorge que deve ter fumado um maço inteiro,mais aquela posição confortável, não deixavam eu desligar. Por sorte estava com um som portátil, coloquei os fones aumentei o som, acho até que fui egoísta, mas precisava dar uma desligada. Cheguei até a sonhar.
3 da matina e não aguentava mais ficar no carro, tentei aguentar mais um pouco, fechar os olhos pra ver se passava rápido. 4 horas não aguento mais, Chris também, saimos, esticar as pernas, jogar conversa fora e esperar a luz do dia e uma ajuda que tinhamos certeza de que passaria. Os primeiros raios já estavam chegando, era hora de sair para uma caminhada procurar alguém que pudesse nos ajudar.


Logo encontramos as máquinas que estavam na obra da pista, estacionadas ao largo da estrada sobre os cuidados do vigia desconfiado, com os três "zumbis" da madrugada. Ele disse que os motoristas começam a chegar as 7:30, pensei - Caramba vamos ter que esperar mais, sem saber a hora, vai ser phoda. Pensamos em andar até o alojamento, também na estrada, mas desistimos quando o vigia falou em 9 km mais ou menos.


Voltamos para o carro, o jeito era esperar. Conversa vai, conversa vem, a cobra rastejando pelo canto da estrada despertava para mais um dia, a Saracura marcava presença " gritando" no brejo. Jorge entrou no carro e resolveu fazer uma tentativa, o carro se moveu, Chris sentiu que dava, botei fé e começamos a empurrrar, que beleza tiramos o pé da lama, quer dizer o carro. Vamos nessa que a aventura do conhecimento não pode parar, mas agora por outro caminho, é claro.Miracema ai vamos nós. Viva a Santa Rita. Simbora. (Por Lucas Freire)


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