GRÁTIS!!
O Guia de Habilidades Humanas do Laranjal do Jari foi um trabalho que realizei no Amapá, a convite da equipe do Projeto Cidadão Ambiental, motivado pela publicação do meu diário de bordo num blog que tinha na época. Aqui vai o texto:
Laranjal do Jari: Uma aventura no Amapá
Poucos
dias depois do brutal assassinato do velejador neo-zelandês Peter Blake no
Amapá, embarco para uma aventura que se inicia na mesma cidade que se tornou
manchete nos jornais de todo o mundo em função da tragédia. Os “ratos d’água” -
como são conhecidos os bandidos que assaltam as embarcações nos rios da
Amazônia - protegidos pela escuridão e pela impunidade, dessa vez “se deram
mal”. No dia seguinte o bando foi preso. Perplexos, disseram não saber que a
vítima era tão famosa. Cheguei no início
da madrugada e logo fui envolvida pelo clima ainda tenso e pelo cheiro de
fumaça das queimadas que estão destruindo grandes áreas da floresta. Do avião
podíamos avistar na escuridão vários focos de incêndio. Só a chegada do inverno
– o início da temporada de chuvas – poderá conter o fogo. A população de Macapá
vem sofrendo com o problema.
Partimos
cedo pela manhã, conduzidos pelo Sr. Oceano Atlântico, um simpático motorista
que logo nos cativou. Éramos 6 pessoas ao todo, um tanto espremidos numa Pick-up
Ranger, na expectativa de, logo adiante, encontrar a Van que deveria nos levar,
com todo o conforto, através das 5 horas de estrada de terra que separa Macapá
de Laranjal do Jari.
Logo
nos afastamos da cidade, levantando muita poeira na estrada cortada no meio da
mata. Foi uma emoção sentir a floresta amazônica ao meu redor. As paisagens iam
se sucedendo: áreas queimadas, buritizais, o cerrado. Muitas pontes de madeira
sobre rios mais e menos estreitos, a floresta. Castanheiras imensas numa área
de reserva extrativista. Sumaúmas vigorosas. Aqueles cenários de livro de
geografia eram reais e me contavam muitas histórias. Paramos logo depois de uma
grande ponte sobre um rio largo, de onde pude avistar um estaleiro e algumas
embarcações típicas da região.
Descobrimos
ser nosso motorista (o Oceano Atlântico) sobrinho de um certo Sr. Oceano
Pacífico. Não é qualquer um que têm uma honra dessas! Envolvidos num ambiente
descontraído e com a temperatura fresca do ar refrigerado, acabamos nos
divertindo muito, imaginando a Van com 15 lugares que viajou somente com o
motorista até seu destino final.
Chegamos
em Laranjal do Jari perto de duas horas da tarde, exaustos. Os biscoitos do
caminho nos tiraram a fome, o que nos permitiu “cair duros” na cama, no Hotel
Central.
Laranjal
do Jari é um município com 14 anos de idade. Nasceu na margem amapaense do rio
Jari, em função do famoso e discutível Projeto de mesmo nome. Um empreendimento
faraônico que enfrentou muitos problemas. Monte Dourado é a cidade que fica na
margem paraense, em terra firme, onde os engenheiros e funcionários de primeiro
escalão do Projeto se estabeleceram. Em Laranjal ficaram os peões, os
“subalternos”, sobre as palafitas – tipo de construção típica da região
amazônica, na beira dos rios, nas áreas de várzea que inundam na época das
chuvas. Sem planejamento, a cidade foi crescendo da margem do rio em direção ao
“agreste”, a terra firme. Há uma rua principal sobre aterro, onde circulam os
carros e ônibus. Há 75 táxis por lá, que cobram R$ 1,50 em sistema de lotação.
As outras ruas são na verdade passarelas de madeira suspensas sobre palafitas.
No “beiradão”, há um grande comércio em lojas e barracas, que vendem de tudo.
Todas
as construções na área de várzea são de madeira. Não há saneamento básico e a
coleta de lixo só atinge 30% das residências. A cidade já foi “campeã” em prostituição infantil, enfrentando ainda o
tráfico de drogas e a violência de gangues. Por R$ 50,00 era possível
“eliminar” um inimigo – o preço da vida em Laranjal.
Na
várzea, o esgoto vai para debaixo das casas, onde há também muito lixo. Um
estudo identificou que quase 90% desse lixo é composto de garrafas plásticas,
que causam danos em muitas outras partes do Brasil e do mundo. No agreste, o
esgoto corre (e fica estagnado) a céu aberto pelas ruas de terra, onde
transitam animais e crianças brincam.
A
gente atravessa o rio em pequenos barcos de alumínio – as “catraias” – com
motor de popa, por R$ 0,30. Há um desconto na compra de 4 bilhetes, que saem
por R$ 1,00. Cabem 15 passageiros, que, em instantes, chegam ao outro lado. Os
carros atravessam numa balsa. Foi recentemente assinado um convênio com o
Ministério do Meio Ambiente para uma série de obras, entre elas a construção de
uma ponte.
Muitos
investimentos estão sendo feitos na cidade. Governos Federal, Estadual e
Municipal, ONGs e empresas privadas estão se unindo para construir um ambiente
melhor para a população. Mas muito há ainda por fazer. A população jovem é
imensa e vem participando de vários programas e projetos interessantes
envolvendo ações sociais, escolaridade, esportes, arte.
O rio
Jari é um afluente do rio Amazonas e faz a fronteira entre os estados do Amapá
e Pará. Subindo o rio (uma hora de
catraia), a gente chega na cachoeira de Santo Antônio. É preciso pagar entre R$
90,00 e R$ 150,00 para ir até lá. É bom levar água e frutas.
Nesta
época do ano ela está meio “seca”, mas no inverno (o período das chuvas) ela se
transforma. É um passeio maravilhoso. A catraia chega bem perto das quedas e
você pode tomar uma deliciosa ducha. Está protegida por lei ambiental, mas em
breve será construída uma hidrelétrica de “baixo impacto”, que usará 1/3 da
vazão para produzir energia.
Outro
passeio legal é até o Riacho Doce, há uns 15 minutos de catraia subindo o rio.
Foi criada uma infra estrutura para receber os visitantes com serviço de bar, banheiros,
barracas, mesas e cadeiras, música ao vivo. O banho é delicioso. Há uma espécie
de “piscinão” e a água é corrente, bem fresca, limpa.
Neste
local encontramos uns “personagens”: macacos ladrões, que não podem ver nada,
especialmente de comer ou beber, dando sopa, que levam pro alto das árvores. O
problema dessa intimidade com os humanos é que eles acabam bebendo
refrigerantes, cerveja e comendo biscoitos e outras “porcarias”
industrializadas. Havia também um quati muito gaiato, que ganhou o nome de
Genebaldo e que fica fuçando o chão, os troncos das árvores, a perna da gente,
em busca de alimento. Ele come insetos, aranhas e o que consegue surrupiar. Tem
unhas grandes e um focinho comprido e macio. Muito simpático, ficou nosso
amigo.
O povo
da região é muito “musical”. Os gêneros mais difundidos no momento são o Brega,
a Cúmbia, o Zouk, o Boi. Há vários grupos de dança, todos com muita
sensualidade. No período em que lá estivemos, estava acontecendo o 14o
Festival Nhá Rin, comemorando o aniversário da cidade. Estandes, barraquinhas e
um grande palco com arquibancadas foram construídos numa rua do Agreste. Durante 10 dias houve apresentações dos
grupos da cidade de dança, música, capoeira, teatro, além de poetas e um
concurso de Miss. Nas barracas muita cerveja, cremes de frutas, vatapá, tacacá
e outras extravagâncias.
Por
falar em tacacá, não dá pra deixar de falar no tacacá da D. Teresinha. Numa
esquina do Agreste, todos os dias esta simpática senhora monta sua mesinha com
muito esmero a partir das 16.00 hs. Servida em cuia própria, pintada de preto
com desenhos de flores em relevo, a bebida de origem indígena alimenta e
esquenta a alma! Uma goma de mandioca vai por baixo. Em seguida vem o tucupi, um
caldo extraído da mandioca, bem temperado, depois as folhas de jambu, uma
planta que dá uma leve sensação de dormência, formigamento nos lábios, camarão
seco (o bom é o que vem do Maranhão) e pimenta a gosto. Sentados num banco de
madeira, só faltávamos entrar em êxtase, tomando aquela delícia. Cada um
“monta” o seu de acordo com seu gosto: bem tucupi, pouca goma, mais pimenta....
O povo senta, toma seu tacacá e segue seu caminho. D. Teresinha lava com água
as cuias em uma bacia de alumínio bem polida e as deixa escorrer emborcadas
sobre a mesa. D. Teresinha também serve mingau, com ou sem canela, o que nós
aqui do Rio de Janeiro chamamos de canjica, feita com milho branco, prato
típico das nossas festas juninas. Aos sábados ela prepara também o vatapá, outra
iguaria.
Foi
uma experiência maravilhosa, que eu gostaria de repetir!