quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Laranjal do Jari, revisitando uma aventura no Amapá



GRÁTIS!!


O Guia de Habilidades Humanas do Laranjal do Jari foi um trabalho que realizei no Amapá, a convite da equipe do Projeto Cidadão Ambiental, motivado pela publicação do meu diário de bordo num blog que tinha na época. Aqui vai o texto:

Laranjal do Jari: Uma aventura no Amapá


Poucos dias depois do brutal assassinato do velejador neo-zelandês Peter Blake no Amapá, embarco para uma aventura que se inicia na mesma cidade que se tornou manchete nos jornais de todo o mundo em função da tragédia. Os “ratos d’água” - como são conhecidos os bandidos que assaltam as embarcações nos rios da Amazônia - protegidos pela escuridão e pela impunidade, dessa vez “se deram mal”. No dia seguinte o bando foi preso. Perplexos, disseram não saber que a vítima era tão famosa.  Cheguei no início da madrugada e logo fui envolvida pelo clima ainda tenso e pelo cheiro de fumaça das queimadas que estão destruindo grandes áreas da floresta. Do avião podíamos avistar na escuridão vários focos de incêndio. Só a chegada do inverno – o início da temporada de chuvas – poderá conter o fogo. A população de Macapá vem sofrendo  com o problema.

Partimos cedo pela manhã, conduzidos pelo Sr. Oceano Atlântico, um simpático motorista que logo nos cativou. Éramos 6 pessoas ao todo, um tanto espremidos numa Pick-up Ranger, na expectativa de, logo adiante, encontrar a Van que deveria nos levar, com todo o conforto, através das 5 horas de estrada de terra que separa Macapá de Laranjal do Jari.

Logo nos afastamos da cidade, levantando muita poeira na estrada cortada no meio da mata. Foi uma emoção sentir a floresta amazônica ao meu redor. As paisagens iam se sucedendo: áreas queimadas, buritizais, o cerrado. Muitas pontes de madeira sobre rios mais e menos estreitos, a floresta. Castanheiras imensas numa área de reserva extrativista. Sumaúmas vigorosas. Aqueles cenários de livro de geografia eram reais e me contavam muitas histórias. Paramos logo depois de uma grande ponte sobre um rio largo, de onde pude avistar um estaleiro e algumas embarcações típicas da região.


Descobrimos ser nosso motorista (o Oceano Atlântico) sobrinho de um certo Sr. Oceano Pacífico. Não é qualquer um que têm uma honra dessas! Envolvidos num ambiente descontraído e com a temperatura fresca do ar refrigerado, acabamos nos divertindo muito, imaginando a Van com 15 lugares que viajou somente com o motorista até seu destino final.

Chegamos em Laranjal do Jari perto de duas horas da tarde, exaustos. Os biscoitos do caminho nos tiraram a fome, o que nos permitiu “cair duros” na cama, no Hotel Central.

Laranjal do Jari é um município com 14 anos de idade. Nasceu na margem amapaense do rio Jari, em função do famoso e discutível Projeto de mesmo nome. Um empreendimento faraônico que enfrentou muitos problemas. Monte Dourado é a cidade que fica na margem paraense, em terra firme, onde os engenheiros e funcionários de primeiro escalão do Projeto se estabeleceram. Em Laranjal ficaram os peões, os “subalternos”, sobre as palafitas – tipo de construção típica da região amazônica, na beira dos rios, nas áreas de várzea que inundam na época das chuvas. Sem planejamento, a cidade foi crescendo da margem do rio em direção ao “agreste”, a terra firme. Há uma rua principal sobre aterro, onde circulam os carros e ônibus. Há 75 táxis por lá, que cobram R$ 1,50 em sistema de lotação. As outras ruas são na verdade passarelas de madeira suspensas sobre palafitas. No “beiradão”, há um grande comércio em lojas e barracas, que vendem de tudo.

Todas as construções na área de várzea são de madeira. Não há saneamento básico e a coleta de lixo só atinge 30% das residências. A cidade já foi “campeã”  em prostituição infantil, enfrentando ainda o tráfico de drogas e a violência de gangues. Por R$ 50,00 era possível “eliminar” um inimigo – o preço da vida em Laranjal.
Na várzea, o esgoto vai para debaixo das casas, onde há também muito lixo. Um estudo identificou que quase 90% desse lixo é composto de garrafas plásticas, que causam danos em muitas outras partes do Brasil e do mundo. No agreste, o esgoto corre (e fica estagnado) a céu aberto pelas ruas de terra, onde transitam animais e crianças brincam.

A gente atravessa o rio em pequenos barcos de alumínio – as “catraias” – com motor de popa, por R$ 0,30. Há um desconto na compra de 4 bilhetes, que saem por R$ 1,00. Cabem 15 passageiros, que, em instantes, chegam ao outro lado. Os carros atravessam numa balsa. Foi recentemente assinado um convênio com o Ministério do Meio Ambiente para uma série de obras, entre elas a construção de uma ponte.

Muitos investimentos estão sendo feitos na cidade. Governos Federal, Estadual e Municipal, ONGs e empresas privadas estão se unindo para construir um ambiente melhor para a população. Mas muito há ainda por fazer. A população jovem é imensa e vem participando de vários programas e projetos interessantes envolvendo ações sociais, escolaridade, esportes, arte.

O rio Jari é um afluente do rio Amazonas e faz a fronteira entre os estados do Amapá e Pará.  Subindo o rio (uma hora de catraia), a gente chega na cachoeira de Santo Antônio. É preciso pagar entre R$ 90,00 e R$ 150,00 para ir até lá. É bom levar água e frutas.
Nesta época do ano ela está meio “seca”, mas no inverno (o período das chuvas) ela se transforma. É um passeio maravilhoso. A catraia chega bem perto das quedas e você pode tomar uma deliciosa ducha. Está protegida por lei ambiental, mas em breve será construída uma hidrelétrica de “baixo impacto”, que usará 1/3 da vazão para produzir energia.

Outro passeio legal é até o Riacho Doce, há uns 15 minutos de catraia subindo o rio. Foi criada uma infra estrutura para receber os visitantes com serviço de bar, banheiros, barracas, mesas e cadeiras, música ao vivo. O banho é delicioso. Há uma espécie de “piscinão” e a água é corrente, bem fresca, limpa.
Neste local encontramos uns “personagens”: macacos ladrões, que não podem ver nada, especialmente de comer ou beber, dando sopa, que levam pro alto das árvores. O problema dessa intimidade com os humanos é que eles acabam bebendo refrigerantes, cerveja e comendo biscoitos e outras “porcarias” industrializadas. Havia também um quati muito gaiato, que ganhou o nome de Genebaldo e que fica fuçando o chão, os troncos das árvores, a perna da gente, em busca de alimento. Ele come insetos, aranhas e o que consegue surrupiar. Tem unhas grandes e um focinho comprido e macio. Muito simpático, ficou nosso amigo.

O povo da região é muito “musical”. Os gêneros mais difundidos no momento são o Brega, a Cúmbia, o Zouk, o Boi. Há vários grupos de dança, todos com muita sensualidade. No período em que lá estivemos, estava acontecendo o 14o Festival Nhá Rin, comemorando o aniversário da cidade. Estandes, barraquinhas e um grande palco com arquibancadas foram construídos numa rua do Agreste.  Durante 10 dias houve apresentações dos grupos da cidade de dança, música, capoeira, teatro, além de poetas e um concurso de Miss. Nas barracas muita cerveja, cremes de frutas, vatapá, tacacá e outras extravagâncias.

Por falar em tacacá, não dá pra deixar de falar no tacacá da D. Teresinha. Numa esquina do Agreste, todos os dias esta simpática senhora monta sua mesinha com muito esmero a partir das 16.00 hs. Servida em cuia própria, pintada de preto com desenhos de flores em relevo, a bebida de origem indígena alimenta e esquenta a alma! Uma goma de mandioca vai por baixo. Em seguida vem o tucupi, um caldo extraído da mandioca, bem temperado, depois as folhas de jambu, uma planta que dá uma leve sensação de dormência, formigamento nos lábios, camarão seco (o bom é o que vem do Maranhão) e pimenta a gosto. Sentados num banco de madeira, só faltávamos entrar em êxtase, tomando aquela delícia. Cada um “monta” o seu de acordo com seu gosto: bem tucupi, pouca goma, mais pimenta.... O povo senta, toma seu tacacá e segue seu caminho. D. Teresinha lava com água as cuias em uma bacia de alumínio bem polida e as deixa escorrer emborcadas sobre a mesa. D. Teresinha também serve mingau, com ou sem canela, o que nós aqui do Rio de Janeiro chamamos de canjica, feita com milho branco, prato típico das nossas festas juninas. Aos sábados ela prepara também o vatapá, outra iguaria.



Foi uma experiência maravilhosa, que eu gostaria de repetir!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016



Herança

Nossa geração herdou dos antepassados muitos conhecimentos e saberes. Mas nem tudo são flores... Recebemos também um modelo de mundo civilizado cheio de ideias nefastas, além de preconceitos, estereótipos e outros absurdos. 
As águas, por exemplo: dizia-se que era um bem inesgotável e todos os rios levavam pra longe o esgoto da população. 
Longe dos olhos... O que os olhos não veem... Temos muitos ditos populares sobre o assunto. A ideia de que os oceanos poderiam absorver tudo, ou ao menos levar pra longe, bastava.
Acontece que esse "longe" não existe mais. Não há tapete pra onde varrer escondendo as imundícies. O mundo ficou pequeno. Mas seguimos despejando esgoto nos rios, lagoas e brejos. Tudo acaba indo pro mar. E o mar não está pra peixe. E nem pra gente. Esse legado do passado não pode mais ser mantido, muito menos perpetuado. Solução há. Mas os poderes públicos só vão se mexer se a gente cobrar. Se a gente fizer barulho. Mas a gente tem que acreditar que isso é importante. Ou não haverá um futuro possível pra nossa espécie.
A Terra continuará girando no espaço. Se a gente quiser continuar sobre ela, é bom a gente acordar logo.
E a lama da Samarco continua se espalhando e ninguém foi responsabilizado.





A natureza não é algo separado de nós. 
Não existe "nós" sem a natureza. Somos nela e com ela. A não ser que se prove que somos ETs largados neste planeta para expiar algum pecado cometido alhures... Pode até ser...







Salina da Ogiva: 

Há um projeto para construir 1400 casas neste lugar!! Quanto vale essa paisagem? Pra onde irá o esgoto? Pra onde irão as aves que aqui nidificam? Vale a natureza ou o empreendimento imobiliário?

segunda-feira, 3 de março de 2014

Caiu na rede... É Peixe?


Com tanta informação disponível, podemos ter a impressão de estarmos - ou sermos - informados. Será?
Ler um (ou muitos) textos, assistir filmes, participar das redes sociais pode nos dar a errônea sensação de que fazemos - somos - parte de algo significativo e indispensável em nosso tempo.
Estudantes usam o recurso Ctrl C, Ctrl V e acreditam estarem fazendo um trabalho escolar. Professores exibem um filme em sala de aula e acreditam estarem usando novos recursos que enriquecem suas aulas. Mas basta "passar" um filme? Mandar ler um texto, realizar um trabalho de grupo?

O que faz sentido? Onde está a diferença que faz diferença?

Informação sem reflexão, sem conexão com a realidade, se perde no "lixo" que cai no esquecimento assim que a novíssima notícia entrar no feed de notícias...

A EAD veio com força criar novas possibilidades de ensino/aprendizagem. Comunidades de aprendizagem se formam no entrelaçar de redes, ideias, caminhos e possibilidades de interação.

Novos currículos, novas formas de construir conhecimentos.

Novos problemas também surgem nos processos colaborativos que nos levam a refletir sobre autoria e direitos autorais. Uma vez na rede... tudo pode acontecer - até mesmo nada, como já disse o poeta.

Na rede somos pescadores e o peixe, a isca e o anzol.

Fundamental é não perder o foco, o eixo. Saber o que se procura, com que objetivo.

Pesquisar por pesquisar, faz sentido?

Aprender a buscar, a navegar seguindo as estrelas, os mapas, as correntes, como os Maoris, os Chineses, os Vikings...

Ensinar/aprender a pensar, a escolher, a traçar os próprios caminhos de acordo com interesses e necessidades. Este parece ser o desafio não somente da EAD, mas da educação neste novo milênio!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Acabo de assistir este filme, que apresenta de modo contundente e emocionante o assunto que estamos abordando em nosso blog. Um soco no estômago daqueles que oprimem, estigmatizam, rotulam e destroem vidas de tantas crianças como o pequeno Ishaam. Quantos meninos como ele estão nas escolas do Brasil e do mundo, sendo agredidos, humilhados e chamados de burros, preguiçosos e incompetentes? Até quando a ignorância e arrogância dos burocratas da educação continuarão a excluir e acabar com a auto estima de tantos meninos e meninas dentro da escola? Assistam o filme e deixem aqui sua opinião, seu comentário. Chorei muito vendo o filme, me identifiquei em tantos momentos... lembrei de muitas crianças conhecidas e torço para que no caminho de cada uma delas haja um professor especial...





E um filme indiano de 2007, que no Brasil recebeu duas traduções: Como Estrelas na Terra e Somos Todos Diferentes. Nos Estados Unidos, foi exibido com o título: Every Child is Special (Todas as crianças são especiais).

Com direçao de Aamir Khan, que tambem faz o papel do professor substituto de artes que trabalha para transformar a vida do garoto Ishaan Awasthi,representado, de modo extraordinario, pelo ator mirim de 9 anos, Darsheel Safary.
Como Estrelas na Terra enfoca o problema da dislexia no garoto Ishaan, que passa por todo tipo de violência, em casa e na escola, até ser libertado do sofrimento pelo professor de artes. E um filme cheio de lirismo e poesia, musica encantadora. Tudo isto somado dão encantamento e magia à trama, o filme nos emociona e nos coloca diante da questão muito seria, da dislexia: – por que a sociedade tem muita dificuldade em lidar com as diferenças e a tendência em valorizar só quem age dentro dos padrões estabelecidos?
Ishaan vive o drama de ser diferente, já repetiu uma vez o terceiro período (no sistema educacional indiano) e corre o risco de repetir de novo.porque, por portar dislexia, as letras dançam na sua frente, tanto no quadro escolar quanto no caderno, não consegue acompanhar as aulas e prestar a atenção necessaria. É punido por indisciplina pela direção da escola e pelo pai, que resolve transferi-lo para um internato, onde será brutalmente tratado, apanhando de palmatória, até ser descoberto pelo professor de artes, que também sofreu em criança por ser disléxico, que oferece a Ishaan condições de expressar o seu talento.
A atitude do pai só faz regredir em Ishaan a vontade de aprender e de se expressar como uma criança. Ele entra em depressão, sentindo falta da mãe, do irmão mais velho, da vida, enfim. A filosofia do internato é a de disciplinar cavalos selvagens. Inesperadamente, um professor substituto de artes entra em cena e logo percebe que algo de errado estava perturbando o garoto Ishaan. Não demorou para que o diagnóstico de dislexia ficasse claro para ele, o que o leva a por em prática um ambicioso plano de resgatar aquele menino que havia perdido sua réstia de luz e vontade de viver.


Fonte: http://pt.shvoong.com/entertainment/movies/2260815-somos-todos-diferentes-como-estrelas/#ixzz2AHNXJXQt

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Estudantes da Espanha fazem passeata pela educação!
Precisamos copiar essa ideia!!


Os alunos secundaristas dos colégios públicos da Espanha iniciaram nesta terça (16) o primeiro de três dias de greve geral contra os duros cortes orçamentários aplicados na educação pelo governo de Mariano Rajoy. 




terça-feira, 2 de outubro de 2012

O dia de hoje foi pesado!Já saí para a ação de acompanhamento pedagógico na cidade do Rio de Janeiro me perguntando o que afinal está acontecendo nas escolas. Ontem, a notícia de uma professora baleada na porta de uma escola em São Paulo, vítima de um assalto. Um menino de 12 anos "cai" de uma janela do 5º andar do Colégio São Bento, uma das escolas mais tradicionais da cidade. A serviço de quem estão as escolas? Participando deste (e de tantos outros) acompanhamentos, visitando escolas em áreas urbanas, periferias e zonas rurais, encontramos quadros muito parecidos, fruto da violência social que vem sendo perpetrada há séculos... Alunos que não sabem ler chegaram ao ensino médio. Casos de agressão entre os alunos, entre eles e os professores. Chacinas em campus pelo mundo afora e até em escolas da cidade maravilhosa...

A visita de hoje foi bacana, emocionante. Um professor comprometido, acompanhando a transformação de seus alunos, pois acredita no afeto, no acolhimento. Conheceu as histórias de vida de cada um de seus alunos - coisa que antes, com turmas e mais mais turmas para "dar" aulas a cada 50 minutos não conseguia.
Meninos e meninas descobrindo o prazer de aprender, de conhecer coisas novas, de participar de aulas práticas, vivas, dinâmicas, agora já sabem fazer contas, agora conseguem ler um texto e entender do que se trata.

Mas chego ao hotel e encontro uma colega de equipe que, a caminho de seu trabalho, teve o carro abordado por bandidos armados e foi vítima de grande violência. O mais dramático, segundo ela, não foi o assalto em si, mas a situação de um dos meninos que, ao saber que ela é professora, entrou em choque. Começou a pedir aos outros bandidos a devolução de seus pertences e, agarrado nela, chorando convulsivamente, pedia perdão pelo que havia feito. Foram momentos tensos de grande emoção, onde os dois choravam, num abraço impactante. Minha colega disse que nunca mais vai conseguir esquecer aquele menino. Na delegacia, soube que o bando pode até ser eliminado, pois nas comunidades não se aceita que roubem professores.

E aqui continuo a pensar na escola e professor. E há escolas e escolas, professores e professores.
Uns, entram armados numa escola e fuzilam quem estiver pela frente. Outro, sabendo-se assaltante de uma professora agarra-se a ela e pede perdão.

E estamos nós, em plena ação "pelo desenvolvimento do ser", trabalhando pela educação, buscando apoiar professores em sua grande missão, que não é mais apenas dar aulas, transmitir informações ou conhecimentos, mas atuar para a formação de pessoas plenamente humanas, sensíveis, livres, críticas, que trabalhem conscientemente para um mundo melhor.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Impressões


Acompanhamento pedagógico Projeto Autonomia 
Estado do Rio de Janeiro
21 a 26/03/2011
Formadores Lucas Freire e Christianne Rothier


Meia noite e quarenta e cinco, 30 de março de 2011. Quarta feira.
Chegamos do acompanhamento no sábado, perdi a prova e as urgências do cotidiano despencaram em cima de mim, sem dar tempo pra muitas reflexões. Empolgada com as fotos, querendo compartilhar, no fundo sem conseguir nem querer me soltar daquelas imagens, daquelas sensações impregnadas como o barro que teima em ficar no tênis, nas meias, na barra da calça. Imagens vivas, iluminadas, que tiram minha concentração do momento presente. Fui deitar mas o sono não veio e aos poucos fui me distanciando e conseguindo pensar no que aconteceu, o que vimos, vivemos, ouvimos, ao longo daquela semana que parece ter tido muito mais que 6 dias corridos.

Percorremos mais de 1.000 quilômetros, viajando na esquina do Estado, divisa com Minas e Espírito Santo. Longe. Fomos longe pra visitar apenas 8 salas, de 3 diferentes coordenadorias.
Fiquei com a impressão de que as dificuldades são muitas. A maioria das turmas está atrasada em relação ao cronograma. Também ouvimos dos professores – empenhados e comprometidos – relatos de desânimo, de cansaço, muito esforço, horas longe de casa, excesso de trabalho, compromisso, e falta do pagamento deste ano.
Mas eles estão nas salas, em sua maioria com número reduzido de alunos. E eles estão indo buscar os alunos, estão fazendo por onde levar a cabo a tarefa de socializar, elevar a auto-estima, criar as condições para que floresça um sentimento de cidadania entre aqueles jovens e adultos de cidadezinhas quase perdidas no mapa, que transitam em estradas esburacadas e mal sinalizadas, que moram na periferia da periferia, que caminham horas na escuridão, que dependem do transporte municipal que consiga vencer os atoleiros na época das chuvas. E ele nem sempre vem.

São cidades com usinas abandonadas, indústrias falidas, que viveram um apogeu de riqueza e ostentação no século passado, que deixaram como herança a paisagem transformada de suas montanhas e vales desprovidas de sua cobertura vegetal original, devastada com a extração de madeira, o cultivo de café, algodão, cana de açúcar e a criação de gado.

Há pouco trabalho na região. O sonho que passa a ser perseguido é o do êxodo. Partir para uma nova terra prometida. A devastar novas fronteiras, dessa vez submersas nas águas além. A Petrobras tornando-se a Meca, a meta a ser alcançada. Petróleo e Gás – esse é o futuro.
Outros, os olhos brilhando, o encantamento de querer ser como ela, a mestra, esses querem ficar e ajudar outros a melhorar a vida de seus pares. Muitos na lida da roça, nas plantações de pepino, tomate.

Sentimos na pele, uma noite atolados no lamaçal da estrada precária, o que é ser professor e estudante no Brasil.


Chegamos na semana em que estavam sendo divulgados os resultados do Saerj: faixas e cartazes com a alegria de estampar o nome dos alunos premiados – muitos do projeto. Salas com 3, 4 alunos que irão receber um notebook. Uma diretora nos disse que essa vitória servirá para mostrar aos detratores do projeto “que a metodologia funciona, que acelera com qualidade, que os alunos aprendem.” A maioria relatou que há listas de espera. Dezenas de pessoas afastadas da escola há décadas sonhando em voltar. Estudantes em distorção sonhando com a possibilidade de ganhar um laptop.

A metodologia está sendo vivenciada em sua plenitude, em toda a sua riqueza (como diz o Lucas)? Não. Em algumas salas pouco se faz de tudo o que é proposto. Mas mesmo assim, ainda assim, aqueles estudantes estão desenvolvendo uma nova perspectiva.

Com pesar, ouvi profissionais dizerem que vão deixar o projeto. Que não querem continuar. Tudo é maravilhoso e vislumbraram um modo de educar transformador, diferenciado. Mas o salário é pouco, o trabalho é muito. O compromisso é imenso. Não sabem o que esperar do novo governo e das novas diretrizes. Gestores indicados continuam criando problemas e dificuldades. A verba ainda não chegou para alguns. DVDs que se perderam – os de uma professora ficaram na estrada, esmagados pelas rodas de um caminhão. Os entraves burocráticos e administrativos parecem não ter fim. A politicagem, a fofoca, o disse-me-disse estão presentes. Mas o brilho no olho, a vontade de superar obstáculos, o esforço pessoal, a doação, o engajamento também lá estão.

E nós pudemos testemunhar isso tudo.

Fico pensando que é praticamente impossível existir um modelo, uma metodologia, por melhor e mais incrível que seja que se adapte em todas as realidades. Em umas regiões a dificuldade maior é a falta dos alunos na temporada turística. Em outras a dificuldade vem com as chuvas, com os períodos de plantio e colheita. Se cada local pudesse ter seu próprio cronograma, talvez a evasão fosse menor e os resultados ainda melhores, mesmo sabendo das dificuldades que isso pode trazer dentro de um modelo centralizador, onde a capital dita as regras.

O que não tem preço é ouvir uma estudante de 61 anos reivindicar o direito de ter seu desenho num cartaz pendurado na parede da sala, num momento de desabafo diante de nós. Uma aluna de quarenta e poucos anos dizer que abandonou a escola aos 13, derrotada pela matemática, feliz da vida pois foi aprovada na disciplina e ainda por cima recebeu um computador pelo resultado da prova do SAERJ. Sonha em fazer faculdade de Artes e disse “amar” sua professora. Surpreendente foi encontrar um ex integrante de um irreverentes grupo musical dos anos 70 numa turma do Médio, desafiando os preconceitos da cidadezinha, sonhando em estudar filosofia e voltar a dançar na TV. Não tem sido fácil, mas a turma aprendeu a conviver e a respeitar diferenças e escolhas alheias.

Foi uma semana onde nos expusemos. Mostramos quem somos. A fé do Sr. Jorge, (nosso motorista) em Santa Rita, segundo ele, nos livrou do atoleiro ao amanhecer.

Tivemos que exercitar a paciência, a aceitação da imobilidade no meio da estrada, ilhados, incomunicáveis. Venceu a parceria, a cumplicidade, o cuidado de cada um com os outros. Co-pilotos atentos, alertas e vigilantes. Trilha sonora de primeira. E a natureza nos brindou com seus requintes: o pálido luar atenuou a escuridão na estrada, bandos de garças trouxeram o dia, aranha desfiando sua beleza,


cobra deslizando no barranco - “só para os loucos, só para os raros”.



Carcarás, pássaros na faina do desafio à gravidade na construção de seus ninhos.




E a chuva, e os rios.


O gigante Paraíba do Sul, o Pomba e outros tantos; velhas estações de trem, fazendas, gado, lindos cavalos.

Montanhas imponentes.

Um pouco de tudo.

E goiabas maduras colhidas no pé, alimentando o corpo quando a alma já estava saciada. A celebração do encontro. Da alegria, o prazer de estar junto, sintonia fina no bate bola da conversa com os professores. Uma aventura. Uma inesquecível aventura.

Rio de Janeiro , 23/3/2011

Em algum lugar entre Pureza e Cardoso Moreira .


Era uma quarta feira a noite, voltavamos da visita a uma sala de aula em Cardoso Moreira, havia chovido poucas horas atrás. A estrada está passando por processo de pavimentação o que deixa o barro mais solto com locais de acúmulo de muito material, amolecido pelas chuvas, que nesta época são constantes.

Já no início do trajeto, Jorge demonstrava certo nervosismo, uma apreensão que era dividida comigo e Chris, na estrada escura, nem uma luzinha e barro pra todo lado. O carro patinava ao sabor da lama, deslizando pra lá e pra cá. Até que foi levado à uma parte mais macia onde ficou agarrado, eram 23 h a lua pálida alumiava coberta pelas nuvens. Saímos do carro, os pés chafurdaram na lama, estava difícil de acreditar que seria isso mesmo, ficar agarrado no meio da estrada entre lugar nenhum e sei lá aonde. Ainda tentamos desatolar o veículo, eu e Chris empurrando e Jorge manejando, as rodas patinavam muito no lamaceiro molhado e fofo. Serviu só pra gente se cagar todo e depois dar umas risadas ( já valeu então). Desistimos e começamos a exercitar a paciência.

A parte legal foi conhecer um pouco da versão cantora " Patativa" de Chris, interpretando músicas desconhecidas, para mim, mas bem bonitas e que nos ajudaram a passar um tempo de modo mais leve.
A minha vontade era de sair andando pela estarada, não ficar parado, mas fui demovido da idéia, já era tarde, nem sinal de civilização, o jeito seria tentar dormir no carro, tentar pelo menos. Inclinei o banco e fechei os olhos, o zumbindo dos mosquitos e o abre e fecha das portas do Jorge que deve ter fumado um maço inteiro,mais aquela posição confortável, não deixavam eu desligar. Por sorte estava com um som portátil, coloquei os fones aumentei o som, acho até que fui egoísta, mas precisava dar uma desligada. Cheguei até a sonhar.
3 da matina e não aguentava mais ficar no carro, tentei aguentar mais um pouco, fechar os olhos pra ver se passava rápido. 4 horas não aguento mais, Chris também, saimos, esticar as pernas, jogar conversa fora e esperar a luz do dia e uma ajuda que tinhamos certeza de que passaria. Os primeiros raios já estavam chegando, era hora de sair para uma caminhada procurar alguém que pudesse nos ajudar.


Logo encontramos as máquinas que estavam na obra da pista, estacionadas ao largo da estrada sobre os cuidados do vigia desconfiado, com os três "zumbis" da madrugada. Ele disse que os motoristas começam a chegar as 7:30, pensei - Caramba vamos ter que esperar mais, sem saber a hora, vai ser phoda. Pensamos em andar até o alojamento, também na estrada, mas desistimos quando o vigia falou em 9 km mais ou menos.


Voltamos para o carro, o jeito era esperar. Conversa vai, conversa vem, a cobra rastejando pelo canto da estrada despertava para mais um dia, a Saracura marcava presença " gritando" no brejo. Jorge entrou no carro e resolveu fazer uma tentativa, o carro se moveu, Chris sentiu que dava, botei fé e começamos a empurrrar, que beleza tiramos o pé da lama, quer dizer o carro. Vamos nessa que a aventura do conhecimento não pode parar, mas agora por outro caminho, é claro.Miracema ai vamos nós. Viva a Santa Rita. Simbora. (Por Lucas Freire)


Leia meus outros blogs!